Você já ouviu falar sobre o equilíbrio químico? E você já pensou sobre como ele, de fato, atua nas reações químicas? Pois bem, deixe eu te contar a história de um cientista que, ao descobrir sobre o estado de equilíbrio de uma reação com a qual ele trabalhava, conseguiu mudar a história da produção de alimentos no mundo.
Caso você não esteja bem sintonizado com a definição de equilíbrio químico, lembre-se que essa é uma condição que permeia inúmeras reações químicas, e que apresenta algumas características que precisamos considerar: 1) as reações são reversíveis e estão sempre acontecendo; 2) a velocidade da reação direta é igual à velocidade da reação inversa; e 3) a concentração de reagentes e produtos se mantém constante.
Ao perceber que a reação de síntese da amônia atingia o equilíbrio químico, ou seja, cumpria as características citadas acima referentes ao equilíbrio químico, o cientista Fritz Haber desenvolveu uma metodologia e, juntamente com Carl Bosch, criou um equipamento que permitiria a produção da amônia em escala industrial. Fritz Haber (1868-1934) foi um químico alemão que despendeu muito tempo em estudos e pesquisas para auxiliar econômica e politicamente a Alemanha. Na figura abaixo você pode ver uma foto do cientista.
A Inglaterra e a Alemanha já vinham estudando sobre essa reação há algum tempo, porque apresentavam interesses políticos e econômicos em seus resultados. Esses interesses se voltavam principalmente ao fato de que a amônia era um composto fundamental à fabricação de fertilizantes. A amônia é um composto gasoso à temperatura ambiente, e que é formada pela reação dos gases nitrogênio e hidrogênio, como mostra a equação química representada pela figura a seguir.
Na época (início do Século XX), havia um grande crescimento populacional, mas a produção de alimentos não acompanhava esse número. Uma vez que o nitrogênio é um elemento essencial às plantas, a forma mais estável de se inserir esse composto nos adubos é através dos nitratos, os quais podem ser formados a partir da amônia, por um processo denominado nitrificação, que está apresentado na figura seguinte. Podemos perceber que a nitrificação produz o nitrato a partir da amônia, mas não de maneira direta. Inicialmente, a amônia é convertida a nitrito, o qual forma, então, o nitrato.
Por conta disso, muitos cientistas já haviam se debruçado sobre o estudo dessa reação, como Ostwald, Nernst e Le Chateliêr. Suas descobertas contribuíram muito para que Fritz Haber efetuasse a sua pesquisa, visto que os fatores já testados pelos outros cientistas – como a influência da pressão, da temperatura e de catalisadores – adiantavam os seus estudos. A figura da sequência mostra uma ilustração do equipamento que permitiu a síntese da amônia em escala industrial.
No reator mostrado pela figura, pode-se perceber que os gases nitrogênio e hidrogênio, reagentes da reação de formação da amônia, são injetados em um reator na presença de um catalisador (ósmio), à temperatura e pressão de 500ºC e 200 atm, respectivamente. Esses gases formam amônia, mas como a reação logo atinge o equilíbrio, a conversão para a amônia não é muito grande. No entanto, os tubos do equipamento conduzem os gases (reagentes e produtos) a um resfriador, liquefazendo a amônia, a qual pode ser retirada do sistema, por estar líquida. Os gases de nitrogênio e hidrogênio voltam para o reator e, novamente, realizam o processo.
Lembre que os catalisadores são compostos utilizados em reações químicas a fim de aumentar a sua velocidade. Isso ocorre porque os catalisadores diminuem a energia de ativação da reação, sem serem consumidos nesse processo.
A amônia produzida é posteriormente convertida a nitrato (através da nitrificação), que compõe os adubos, utilizados até hoje. Na época, a produção de amônia auxiliou no aumento necessário da produção de alimentos. Atualmente, existem muitas discussões acerca das possíveis vantagens e desvantagens da utilização dos fertilizantes.
Ao voltarmos o nosso olhar apenas para a atuação de Fritz Haber durante a síntese da amônia, podemos perder alguns aspectos muito importantes de seu fazer científico: a partir da sua pesquisa com a amônia, Fritz Haber se tornou muito conhecido. Quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, ele passou a trabalhar a favor da Alemanha, na produção de gases de guerra. Apesar de muitos cientistas não concordarem em utilizar seus conhecimentos para questões como essas, Fritz Haber se sentia honrado em poder defender o país que tanto amava (era um nacionalista extremado).
Inicialmente o cientista se ateve aos gases que tinham o elemento químico bromo em sua composição. No entanto, nas batalhas em que esses gases foram utilizados, eles acabavam se dispersando na atmosfera, e nem eram sentidos pelos oponentes. Depois de muito estudo, Fritz Haber substituiu o bromo pelo cloro, que é menor em raio atômico e, por isso, consegue atingir as células do corpo humano mais facilmente, afetando principalmente o sistema respiratório. Esse gás de cloro inventado por Fritz Haber é o tão famoso gás mostarda. Com esse gás, os alemães dizimaram milhares de pessoas durante a guerra.
O raio atômico diz respeito à distância entre o núcleo de um átomo até o seu elétron mais externo.
A esposa de Fritz Haber, Clara Immerwahr (veja uma foto dela na figura abaixo), também foi uma grande cientista, sendo, inclusive a primeira mulher a obter o título de doutora em sua cidade. Todavia, ela não pôde seguir com suas pesquisas depois de casar, visto que o marido não a apoiava. Ainda assim, Clara sempre auxiliou o marido em suas próprias pesquisas, principalmente na tradução de trabalhos. Ao descobrir sobre os gases de guerra produzidos por Fritz Haber, Clara pediu para que ele parasse com a pesquisa. Ele não a ouviu, e ela cometeu o suicídio.
Mesmo com a ajuda de Haber, a Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial e acumulou uma grande dívida. Posteriormente, com a ascensão dos nazistas ao poder, pesquisas de gases como armamento de guerra continuaram sendo desenvolvidas. Dessa vez, contudo, as pesquisas de Haber estavam ultrapassadas e ele não se fez mais útil ao país. Além do mais, o cientista era judeu, que, como sabemos, foram os principais perseguidos pelos nazistas. Fritz Haber precisou se exilar, e morreu na Suíça, cinco anos antes do início da Segunda Guerra Mundial.
No ano do fim da Primeira Guerra, Fritz Haber recebeu um Prêmio Nobel pela síntese da amônia. Em 1920, foi acusado de criminoso de guerra. Esse fato mostra que, muitas vezes, o desenvolvimento da ciência apresenta princípios questionáveis, e que por trás das pesquisas há sempre questões econômicas e políticas envolvidas. Fritz Haber salvou inúmeras pessoas da fome, mas por trás disso havia um grande interesse de alguns países europeus, os quais investiram para que a pesquisa tivesse continuidade. Pouco tempo depois, o cientista também auxiliou a Alemanha em seus intentos de guerra, dizimando a vida de muitos indivíduos.
As controversas dos feitos científicos de Fritz Haber são importantes para a história de todo o mundo. São fundamentais, também, quando pensamos acerca do que é a ciência e de como é a sua atuação, pois nos fazem questionar acerca da ética que a permeia e dos princípios envolvidos no trabalho dos cientistas. Com isso, concluímos que precisamos sempre apresentar um olhar crítico com relação ao que temos em desenvolvimento, pois às vezes a ciência visa à criação de produtos que nem sempre serão favoráveis aos seres humanos, animais ou ao meio ambiente em geral, e às vezes, quando o são, existem inúmeros fatores por trás que devem ser considerados, como dinheiro e outros tipos de interesses.
(1) Fonte: <https://pt.wikipedia.org>.
(2) Fonte: dos/as autores/as.
(3) Fonte: <http://web.ccead.puc-rio.br>.
Referências:
CCEAD PUC-RIO. Tudo se transforma, Reações Químicas, Fritz Haber e a síntese da amônia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pgt5Az5fnuE>. Acesso em: 14 nov. 2019.
KEAN, S. A colher que desaparece. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011.
SANTOS, Wildson L. P. dos; MÓL, G. de S. Química Cidadã. 2. ed. Vol. 2. São Paulo: Editora AJS, 2013.
SILVA, A. N.; PATACA, E. M. O Ensino de Equilíbrio Químico a partir dos trabalhos do cientista alemão Fritz Haber na síntese da amônia e no programa de armas químicas durante a Primeira Guerra Mundial. Química Nova na Escola. Vol. 40, nº 1, p. 33-43, 2018.
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