As informações que traremos nesse post são todas baseadas no capítulo de livro “Mulheres de fibra: as quebradeiras de coco de babaçu e a reação orgânica de saponificação”, presente no livro “Conteúdos cordiais: Química Humanizada para uma Escola sem Mordaça” e escrito por Desirrê Cardoso Vargas, Luana Priscilla R. Macêdo e Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira. Neste capítulo, podemos conhecer um pouco sobre a realidade das quebradeiras de coco de babaçu, que vivem na região norte do Brasil. O babaçu é uma palmeira muito comum nessa região, e também no Nordeste e no Centro-Oeste, e é uma fonte de economia para muitos indivíduos desses locais, principalmente devido à extração do óleo das amêndoas presentes no fruto produzido pelo babaçu (as amêndoas correspondem a aproximadamente 7% da massa do fruto). Não é à toa que esse seja um dos principais produtos extraídos pelo Brasil, e a maior fonte de óleo nativo no mundo. O babaçu e o fruto produzido por ele, respectivamente, podem ser vistos nas fotos abaixo.
Estima-se que haja mais de trezentas mil quebradeiras do coco do babaçu, as quais se localizam principalmente no Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. A elas se deve todo o procedimento para a obtenção da amêndoa: desde a coleta do fruto, até a quebra do coco e a separação da amêndoa. O coco é quebrado com o auxílio de um pequeno machado e um porrete (pedaço de madeira). Além de ser um trabalho pesado e perigoso, ele não garante um bom rendimento financeiro a essas mulheres, que vivem em condições precárias, em casas simples e sem saneamento básico, por exemplo. Com a foto a seguir é possível visualizar uma quebradeira de coco em seu trabalho habitual.
Em 2008, o Ministério do Meio Ambiente definiu um preço mínimo para a venda do babaçu e também de outros produtos advindos do extrativismo, o que garantiu uma maior qualidade de vida a essas mulheres.
Com o óleo de coco de babaçu, as “mulheres de fibra” também produzem o sabão de coco de babaçu, como podemos interpretar pelo poema abaixo, escrito por uma das autoras do capítulo de livro utilizado como referência, Desirrê Cardoso Vargas.
O BABAÇU
Da palmeira imponente
Abundante no norte
Mas escassa no sul
É que vem o BABAÇU.
Fruto ainda de pouco valor
Em alguns cantos do mundo
Mas que no norte
É uma riqueza ENORME.
Nas mãos de mulheres brasileiras
Esse fruto grosseiro
Vira arte e cheiro
E vida, vida às QUEBRADEIRAS.
Mulheres guerreiras
Mulheres quebradeiras
Que fazem do babaçu
Seu sustento, seu norte, seu SUL.
Desde criança aprendem o ofício
Às vezes um sacrifício
Largam escola, largam tudo e sustentam o lar
Com essa forma de TRABALHAR.
Do coco, tiram o azeite
Que torna razão
Pra muita invenção
Pra comida e pro SABÃO.
Quebrar o coco não é fácil não
As mãos calejadas da lida
Já não escondem a dor
Que trazem no CORAÇÃO.
No sorriso o orgulho
De, com seu trabalho,
Conseguirem um futuro
Mulheres, MULHERES ESQUECIDAS.
Através da leitura do poema, podemos identificar um pouco do sofrimento advindo do trabalho árduo das quebradeiras de coco, que, apesar de tudo, mantêm a sua alegria. No quadro a seguir, podemos comparar as formas de produção do sabão de coco de babaçu pelo método tradicional (das quebradeiras de coco) ou pelo método científico.
Analisando as duas possíveis formas de produção do sabão de coco de babaçu, notamos que o método científico trabalha com uma linguagem mais apurada, medidas mais específicas e materiais mais eficientes. No entanto, ao observarmos o produto final, mostrado pelas autoras em seu capítulo de livro, concluímos que, aparentemente, o produto final é o mesmo.
Dessa forma, podemos nos embrenhar em uma discussão de não favorecimento de nenhum dos métodos, visto que ambos apresentam seus méritos. Assim como a ciência, os saberes populares estão em constante mudança e são construídos a partir de contribuições sociais. Os saberes populares envolvem aqueles conhecimentos que foram desenvolvidos mesmo antes de encontrarmos explicações científicas para eles, e que foram passados de geração a geração. Entre eles, podemos citar a época das plantações e colheitas, o funcionamento das rodas d’água e dos moinhos de trigo, a forma em que se conservava os alimentos antes da geladeira, entre muitos outros. Estes são saberes tão importantes quanto o conhecimento científico, mas que muitas vezes são deixados de lado, e por conta disso, podemos acabar perdendo muitos desses conhecimentos com o passar do tempo.
Mas você já parou para pensar sobre como a Química está envolvida na produção de sabão? Você deve ter notado que para produzir o sabão de coco pelos dois métodos, adicionou-se uma base (soda cáustica = NaOH) ao óleo de coco, utilizando água como solvente (no método científico há adição de álcool, também). O óleo é um lipídeo (gordura), que é uma molécula que apresenta vários grupos característicos de ésteres, ou seja, têm um carbono da cadeia que faz ligação simples com um oxigênio e ligação dupla com o outro oxigênio, como destacado em vermelho no lipídeo genérico representado pela figura seguinte.
Essas partes relativas a ésteres dos lipídeos, em contato com bases sofrem reações chamadas de saponificação, gerando um sal de ácido carboxílico. Essa reação está descrita pela equação química da figura abaixo.
Nesse caso, o sal de ácido carboxílico formado é o sabão. Ele costuma ter uma cadeia carbônica bem longa, o que indica que uma parte de sua molécula é apolar e, portanto, pode se solubilizar (ou se misturar) em meios apolares. No entanto, a parte iônica de sua estrutura, faz com que ele seja também solúvel em água. É exatamente essa característica que torna um sabão um ótimo agente de limpeza, visto que ele forma micelas quando em contato com a água e com a gordura. O desenho representativo de uma micela pode ser visualizado a seguir.
Com a figura, podemos entender que as gorduras podem ser removidas utilizando o sabão, porque elas ficam envolvidas pelas partes apolares das moléculas do sabão, enquanto que as partes polares dessas moléculas permanecem em contato com a água, que lava a superfície da louça, da roupa, ou do material que está sendo limpo.
Esse post nos permite visualizar como é importante conhecer as diferentes culturas e saberes populares que existem em nosso país e valorizá-los. É evidente que o método científico dá, aos conhecimentos científicos, grande rigorosidade e confiabilidade, no entanto, devemos ter em mente que nenhum conhecimento é mais importante do que outro, e que, além de respeitar, devemos cultivar essa grande diversidade de ideias!
E aí, gostou de saber um pouco mais sobre como a Química está envolvida com a produção do sabão produzido pelas quebradeiras de coco? Conta pra gente nos comentários!!
Referência:
VARGAS, D. C.; MACÊDO, L. P. R; OLIVEIRA, R. D. V. L. Mulheres de fibra: As quebradeiras de coco de babaçu e a reação orgânica de saponificação. In: OLIVEIRA, R. D. V. L. de; QUEIROZ, G. R. P. C. Conteúdos cordiais: Química humanizada para uma escola sem mordaça. 1. ed. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2017. p. 15-26.
Top em rapaziada! Parabéns pelo texto!